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Tratamento do Alcoolismo
O alcoolismo essencialmente
é o desejo incontrolável de consumir bebidas alcoólicas
numa quantidade prejudicial ao usuário. O núcleo da doença
é o desejo pelo álcool: há tempos isto é aceito,
mas nunca se obteve uma substância psicoativa que inibisse tal desejo.
Como prova de que inúmeros fracassos não desanimaram os
pesquisadores temos hoje, já comprovado ou em fase avançada
de testes, 3 substâncias eficazes na supressão do desejo
pelo álcool, 3 remédios que atingem a essência do
problema que cortam o mal pela raiz. Estamos falando da Naltrexona,
do Acamprosato e da Ondansetrona.
O tratamento do alcoolismo não deve ser confundido com o tratamento
da abstinência alcoólica. Como o organismo incorpora literalmente
o álcool ao seu metabolismo, a interrupção da ingestão
de álcool faz com que o corpo se ressinta: a isto chamamos abstinência
que, dependendo do tempo e da quantidade de álcool consumido, pode
causar sérios problemas e até a morte nos casos não
tratados. As medicações acima citadas não têm
a finalidade de atuar nessa fase. A abstinência já tem suas
alternativas de tratamento bem estabelecidas e relativamente satisfatórias.
O Dissulfiram é uma
substância que força o paciente a não beber sob a
pena a de intenso mal estar se isso for feito: não suprime o desejo
e deixa o paciente num conflito psicológico amargo. Muitos alcoólatras
morreram por não conseguir conter o desejo pelo álcool enquanto
estavam sob efeito do Dissulfiram, mesmo sabendo o que poderia acontecer:
não conseguiram evitar a combinação de álcool
e Dissulfiram, não conseguiram sequer esperar a eliminação
do Dissulfiram. Fatos como esse servem para que os clínicos e os
não-alcoólatras saibam quanto é forte a inclinação
para o álcool sofrida pelos alcoólatras: é mais forte
que a própria ameaça de morte. Serve também para
medir o grau de benefício trazido pelas medicações
que suprimem o desejo pelo álcool, atualmente disponíveis.
Podemos fazer uma analogia para entender essa evolução.
Com o Dissulfiram o paciente tem que fazer um esforço semelhante
ao motorista que tenta segurar um veículo laderia abaixo se pondo
à frente deste, tentando impedir que o automóvel deslanche
atropelando o próprio motorista. Com as novas medicações
o motorista está dentro do carro, apertando o pedal do freio, até
que o carro chegue no fim da ladeira. Em ambos os casos é possível
chegar ao fim da ladeira (controle do alcoolismo). Numa o esforço
é enorme, causando grande percentagem de fracassos, noutro o esforço
é pequeno permitindo grande adesão ao tratamento
Vejamos agora algumas
informações sobre as novas medicações.
Naltrexona
A natrexona é uma substância conhecida há vários
anos. Seu uso restringia-se ao bloqueio da atividade dos opióides:
é uma espécie de antídoto para a intoxicação
de heroína, morfina e similares. Recentemente verificou-se que
a Naltrexona possui um efeito bloqueador do prazer proporcionado pelo
álcool, cortando o ciclo de reforço positivo que leva e
mantém o alcoolismo. A Naltrexona foi a primeira substância
a atingir a essência do alcoolismo: o desejo pelo consumo de álcool.
Como era uma medicação conhecida quanto aos efeitos benéficos
e colaterais, sua utilização para o alcoolismo foi relativamente
rápida, pois já se encontrava no mercado há muitos
anos, bastou que se acrescentasse na bula uma nova indicação,
o tratamento do alcoolismo. Os principais efeitos colaterais da Naltrexona,
o enjôo e o vômito não são intensos o suficiente
para impedir o seu uso.
Os principais efeitos da Naltrexona são inibir o desejo pelo álcool
e mesmo que se beba o prazer da sensação de estar "alto"
é abolido. Assim, a bebida para o alcoólatra em uso de Naltrexona
se torna sem graça; como não há uma interação
danosa entre Álcool e Naltrexona como existe entre Álcool
e Dissulfiram, a Naltrexona exerce uma real atividade terapêutica.
Os estudos mostram que a recaída do alcoolismo é menor entre
as pessoas que fazem uso de Naltrexona, em relação ao placebo.
O baixo índice de efeitos colaterais da Naltrexona permite que
os pacientes adiram ao tratamento prolongado. Agora ficou mais fácil
diferenciar o alcoólatra impotente perante seu vício daquele
que, simplesmente, não quer abandonar o prazer da embriaguez. É
muito comum a história das famílias que acusam o parente
alcoólatra de vagabundo e o médico que o defende como vítima.
Na verdade só agora podemos saber quem está com a razão.
O paciente que se nega a tratar-se por perceber que a Naltrexona abole
o prazer é o alcoólatra por opção, aquele
que adere ao tratamento era a vítima do vício.
Por fim não podemos esquecer que nem todos pacientes se beneficiam
da Naltrexona, ou seja, há uma parcela da população,
que mesmo em uso da Naltrexona mantém o prazer da bebida, nesses
o tratamento é ineficaz. A Naltrexona foi o primeiro e grande passo
para o tratamento do alcoolismo, mas não resolveu todo o problema
sozinha
.Acamprosato
Essa substância ao contrário da Naltrexona é nova
e foi criada especificamente para o tratamento do alcoolismo. Está
sendo introduzida no mercado brasileiro pela Merck, mas já é
usada na Europa há alguns anos. O mecanismo do Acamprosato é
distinto da Naltrexona embora também diminua o desejo pelo álcool.
O acamprosto atua mais na abstinência, reduzindo o reforço
negativo deixado pela supressão do álcool naqueles que se
tornaram dependentes.
Podemos dizer que há basicamente dois mecanismos de manutenção
da dependência química ao álcool. Inicialmente há
o reforço pelo estímulo positivo, pela busca de gratificação
e prazer dadas pelo álcool. À medida que o indivíduo
se torna tolerante às primeiras doses, passa a ser necessária
sua elevação para voltar a ter o mesmo prazer das primeiras
doses. Nessa fase o indivíduo já é dependente e está
em aprofundamento e agravamento da dependência. Ao se chegar no
estágio em que a bebida não dá mais prazer algum
e, por outro lado, trouxe uma série de problemas pessoais e sociais,
o alcoólatra está preso ao vício porque ao tentar
interromper o consumo de álcool surgem os efeitos da abstinência.
Nessa fase o alcoolista bebe não mais por prazer, mas para não
sofrer os efeitos da abstinência alcoólica. É nesta
fase que o Acamprosato atua. Além de inibir os efeitos agudos da
abstinência como os benzodiazepínicos fazem, o Acamprosato
inibe o desejo pelo álcool nessa fase, diminuindo as taxas de recaída
para os pacientes que interromperam o consumo de álcool.
A principal atividade do Acamprosato é sobre os neurotransmissores
gabaérgicos, taurinérgicos e glutamatérgicos, envolvidos
no mecanismo da abstinência alcoólica.
O Acamprosato tem poucos efeitos colaterais, os principais indicados foram
confusão mental leve, dificuldade de concentração,
alterações das sensações nos membros inferiores,
dores musculares, vertigens.
Ondansetrona
Esta medicação vem sendo usada e aprovada como inibidor
de vômitos, principalmente nos pacientes que fazem uso de medicações
que provocam fortes enjôos como alguns quimioterápicos. Está
em estudo a utilização na bulimia nervosa para conter os
vômitos induzidos por esses pacientes. Mais recentemente vem sendo
estudado seu efeito no tratamento do álcool. Esses estudos ainda
estão em fase preliminar, uma possível aprovação
para o alcoolismo deverá levar talvez alguns anos.
Essa medicação tem um efeito específico como antagonista
do receptor serotoninérgico 5-HT3.
Por enquanto, há poucos estudos da eficácia da Ondansetrona
no alcoolismo, o que se obteve, por enquanto, é uma maior eficácia
no tratamento do alcoolismo nas fases iniciais. Alcoolistas de longa data
e dose altas não apresentaram resultado muito superior ao placebo.
Se aprovada hoje, sua utilização recairia sobre os pacientes
alcoólatras há pouco tempo. A forma de ação
é parecida a da Naltrexona, inibindo o reforço positivo,
o prazer que o álcool dá nas fases iniciais do alcoolismo.
Os pacientes que tomam Ondansetrona tendem a beber menos que o habitual.
Os autores de um recente trabalho com a Ondansetrona consideraram-se frustrados
com o resultado clínico obtido.
Última Atualização
28-10-2004
Referência Biblio.:
JAMA.
2000;284:963-971
Odansetrona
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